Há qualquer coisa de familiar e de estranho no novo single de Clara Bicho, Telejornal Animal. Familiar, porque o mundo que ela inventa - de luas que apresentam noticiários, de cortinas douradas e figurinos saídos de um sonho - parece evocar uma infância, uma era em que a TV ainda tinha corpo, textura, gesto. Estranho, porque tudo ali está ligeiramente fora do lugar, como se o telejornal tivesse engolido o sonho, e o sonho, por sua vez, tivesse decidido ler as notícias do dia.

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O vídeo, realizado por Mariana Barbosa e fotografado por Pedro Milagres, é o primeiro clipe não animado de Clara, mas continua a parecer um desenho. A artista, de vestido verde e gestos suaves, canta no palco enquanto a sua personagem “Lua”, a âncora lunar de um noticiário improvável, lê as manchetes de um mundo cansado. Os cenários são artesanais, iluminados como num teatro de escola; há marionetas, refletores e bastidores que se deixam ver. É nesse espaço híbrido, entre o real e o imaginado, que o Telejornal Animal acontece: uma transmissão íntima sobre o esgotamento, o riso e a vontade de “voar para outro lugar”.

A letra, que brinca com o vocabulário do jornalismo, transforma o cansaço cotidiano em matéria poética. Clara Bicho canta a rotina, o trabalho e a alienação com o mesmo tom de quem narra um boletim meteorológico, e o efeito é encantador: a melancolia surge mascarada de programa infantil. Há humor, mas também um leve desalento, uma consciência de que viver e continuar a cantar é, às vezes, resistir à notícia má que insiste em voltar.

Capa do single / Disponivel em todas as plataformas digitais

O “Telejornal” segue as mesmas referências sonoras, visuais e audiovisuais de “Cores da TV” (2025), incluindo músicos como a dupla estadunidense Midnight Sister, o francês Lewis Ofman e a carioca Ana Frango Elétrico. Musicalmente, o single prolonga esse universo sonoro, com uma maturidade nova: o som é mais quente, o groove mais narrativo, como se a música fosse também um cenário, um palco. O “telejornal” é, afinal, um espelho: a vida cotidiana, vista por dentro da tela, ganha cor e leveza.

É curioso notar que Clara é também jornalista, formada pela UFMG, e talvez daí venha a ironia doce que percorre a canção: a de alguém que conhece o peso das palavras, mas prefere rir delas. No seu “mundo bicho”, o excesso de informação não é ruído, é matéria de invenção. O Telejornal Animal não noticia o fim do mundo: anuncia, com voz calma e olhos de lua, que a vida ainda cabe num refrão.

O single e o videoclipe estreiam nos dias 11 e 12 de novembro, respetivamente, antecedendo o primeiro show de Clara Bicho em São Paulo, no dia 14/11. Uma artista a ver e a ouvir de perto, de preferência, com o mesmo espanto com que se assiste à TV pela primeira vez.