Um lançamento que chega quase como um lampejo — quente, meio torto, cheio de arestas boas. O Espelho do Zé soltou “Último Suspiro”, nova faixa do EP Reflexo do Amanhã, e o clima aqui é outro: menos contemplação, mais pele vibrando. É blues, mas não aquele blues de molde antigo; é algo urbano, vivo, inquieto, como se a banda estivesse testando onde a emoção começa a arranhar.

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A produção leva a assinatura de Thiago Barromeo, que já passou por nomes como Mano Brown, Black Alien e Ana Cañas. Dá pra sentir essa mão — um som que pulsa, que abraça o groove sem deixar cair na repetição. A faixa chega depois de “Para Aquilo que Sonhei”, “Sapatilha” e “Contradiz”, mas tem um sabor próprio, uma urgência quase elétrica.

A banda — Mariana Cintra, Gabi Schubsky, Leandro Rodrigo, André Guaxupé — parece operar aqui numa sintonia fina. A composição nasceu inteira, letra e harmonia no mesmo fôlego, como se todo mundo estivesse puxando a mesma linha invisível. Mariana queria uma atmosfera mais intensa, mais feminina, mais carregada daquilo que sempre rondou sua estética. E a música veio desse território, desse impulso, deixando que tudo se formasse de maneira orgânica, sem pressa de parecer limpo demais.

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“Último Suspiro” não cabe no blues tradicional. O grupo acerta um ponto meio incômodo e delicioso: aquele espaço onde o prazer encontra a dor, onde a tensão elétrica segura a respiração até quase estourar. É sedução, mas é também despedida. É drama, mas com um fio de renascimento escondido nas dobras da melodia.

Na história cantada, uma mulher sozinha num quarto de hotel encara o fim que já estava anunciado. Luz que queima, voz que falha, silêncio que pesa. Só que, em vez de desabar, ela se redesenha. A dor vira motor, a perda vira gesto de liberdade. A queda, de repente, é só o caminho para a versão mais inteira de si.

O EP Reflexo do Amanhã marca uma virada para O Espelho do Zé. Agora tudo nasce no coletivo — mais denso, mais nítido, mais próximo do que o grupo realmente quer dizer. As influências de Mutantes, Novos Baianos e Secos & Molhados aparecem, sim, mas sem citação direta; aparecem filtradas, sutis, transformadas em identidade própria.

O acento final vem da equipe técnica: Barromeo produz com precisão de quem sabe capturar força sem perder textura, enquanto Martin Furia (Destruction) entrega uma masterização robusta, que dá peso sem engolir o lado sensorial da faixa.

No fim, “Último Suspiro” é isso: uma canção sobre encarar o fim com os dois pés no chão e descobrir, quase sem querer, que ali também existe começo. Uma emoção que chega aos poucos, mas que fica queimando depois. O Espelho do Zé em sua forma mais crua — e mais bonita.