Meno Del Picchia  / Divulgação

“Sentir que vai voar” já está no mundo — e chega daqueles jeitos que não avisam, só pousam no ouvido e ficam ressoando. Meno Del Picchia convocou João Menezes e Marina Nemésio para esse novo capítulo, e o trio acabou construindo uma faixa que parece leve, mas vem cheia de pequenos ferrões emocionais. A música nasceu antes de ser música de estúdio, dessas que se formam no palco, no improviso, no momento em que a canção ainda está procurando o próprio corpo. Talvez por isso soe tão viva, tão respirante.

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A parceria entre Meno e João vem de 2022, desde que o compositor alagoano desembarcou em São Paulo. Eles já tinham deixado rastros — “Retina”, “Beijos que não dei” — e continuam afinados nesse registro que mistura simplicidade e um cuidado quase microscópico com as palavras. Meno conta que ficou fisgado pela escrita de João desde o disco de Bruno Berle. E dá pra entender: versos aparentemente simples, mas que carregam aquela sofisticação que só aparece quando alguém vira uma chavinha na frase e tudo muda de lugar.

A letra de “Sentir que vai voar” é exatamente isso: um convite pra atravessar o medo e, em vez de travar, deixar que ele empurre. O verso original — “O medo de cair / é não sentir que vai voar” — já era forte, mas a escolha de transformar o título em afirmação direta acaba abrindo outra janela. A música ganha essa aura de sonho concreto, meio mística, meio cotidiana. “Voar como um balão / pra lá do céu / enxerga o chão…” — linhas que parecem simples, mas têm um brilho curioso, uma ternura firme.

Marina Nemésio entra na faixa do jeito certo: sem roubar a cena, mas iluminando o espaço inteiro. A voz dela tem personalidade, mas guarda uma delicadeza que não se perde em nenhum momento. Meno destaca justamente isso — ela canta como quem também compõe, como quem pega a música pra si. E é essa presença que dá textura ao refrão, que segura o ar onde a letra não diz tudo, mas sugere bastante.

A produção de Batata Boy é outra camada importante. Ele pega o esqueleto inicial — violão e baixo no show do Centro da Terra, ainda em 2024 — e expande aquilo com sintetizadores, beats, pianos elétricos, pequenas respirações eletrônicas que não puxam a faixa para um gênero específico. Não é samba, não é bossa, não é rock, não é baião. É, no melhor sentido, um híbrido. Um recorte possível do que artistas inquietos estão fazendo agora, sem medo de misturar referências.

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E isso combina com Meno, que é músico e antropólogo — alguém que parece observar tudo, sem se fixar em um formato só. “Sentir que vai voar” tem esse espírito antropofágico, mas sem exagero: uma música que abraça o contemporâneo sem virar vitrine tecnológica. Tem calor, tem humanidade, tem esse sopro de esperança meio trincada.

No fim, a faixa se instala como uma lembrança bem simples: às vezes o medo não é o inimigo — é o empurrão que faltava. E aqui, nesse encontro São Paulo–Alagoas, o voo acontece porque cada um acende uma parte da música. João abre a porta, Meno segura o fio, Marina coloca luz, Batata costura tudo. E pronto: ela levanta.

Um single pequeno só no nome, lançado pelo selo Pequeno Imprevisto, mas grande naquilo que desperta. Uma canção que parece falar baixinho, e mesmo assim ecoa.